Túnel –parte I
O caminho segue agora por um
túnel. No chão, as tábuas que pisamos são mais redondas e escorregadias. Por
cima de nós, insinuam-se morcegos e dentro de nós um alarido de asas a bater
traz ao de cima todos os mitos e medos que estes animais representam. Nós somos
pernas a andar mecanicamente, traque, traque, em cima dos carris da linha.
Demoramos mais tempo a passar o
túnel do que teria demorado o comboio, mas talvez não muito mais. O tempo é de
calma nesta terra marginal. A escuridão impõe-se e só é cortada pelas asas que
batem não sabemos onde. O cheiro é virgem: ferro e interior da terra. A rocha é
casa. Nós somos mais do que pernas a andar, somos mais do que olhos no chão
para evitar os morcegos. Nós somos certeza: há luz e há fim. Há rio aqui ao lado,
há amoras e sol tórrido. Estamos no túnel agora. Somos túnel, talvez, firmados
por uma entrada e uma saída. E caminhamos com a determinação de quem sabe que o
princípio e o fim se tocam.
Túnel –parte II
Levo auscultadores nos ouvidos,
mas a música é totalmente abafada pelo barulho ensurdecedor dos carros. Este
túnel é grande, mas está preparado para peões. Com passeio levantado e grades a
separar as pessoas dos veículos. Há luzes até, mas não há nada que abafe esta
loucura em movimento.
Este túnel é só uma passagem e eu
sou uma escolha que me trouxe até ele. Este túnel cheira a fumo, a óleo e a
gasolina. Cheira a mijo. Tem pessoas, muitas. E tem-me a mim que quis atravessá-lo
agora.
Aqui é cidade e a confirmá-lo
está o arrumador sujo que no fim da travessia conta as moedas que depois coloca
em bolsos rotos.
Cai-me uma gota de água e quase
podia apostar que essa gotinha veio de longe e já esteve em túneis com morcegos
e linhas de comboio.