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segunda-feira, 1 de abril de 2013

Bandeira - Santiago (35 km) Via de la Plata

"O nosso olhar só consegue captar uma parte da realidade. Estamos constantemente a selecionar aquilo que queremos ver."

Vestimo-nos e comemos e só depois fomos à casa de banho, já que os sanitários do parque de campismo ficavam afastados do bungalow.
Cerca de meia hora depois de termos começado a caminhar, entrámos em Bandeira e apanhámos o caminho. Neste último dia de peregrinação, seguimos sempre pelo caminho original, sempre fieis às setas amarelas. Uns kms mais à frente, encontrámos as duas espanholas amigas da Irene (sentimos falta do despertador dela nesta alvorada), tinham pernoitado em Bandeira numa acomodação privada arranjada quando chegaram.

A lama, a chuva e a maravilha dos campos verdejantes já nos acompanhavam há tantos dias, mas não deixavam de nos trazer o gosto fresco da novidade. Apesar do peso do caminho, ainda conseguíamos admirar a beleza de uma igreja e inquietarmo-nos com um charco de lama. sentimo-nos vivos por termos esta capacidade de alimentar a nossa criança interior!

E nós também nos fomos alimentando com o lanche que levávamos pois ao fim de umas horas de caminho a fome já dava sinais. As companheiras espanholas aproveitaram uma aberta e pararam para descansar e comer, nós fomos sempre seguindo, fazendo um esforço para manter o grupo unido. Éramos só seis nessa altura.
Em Ponte Ulla, descemos abruptamente e os nossos joelhos e pernas queixaram-se muito. Mais à frente reencontrámos os nossos companheiros, avistando o carro estacionado na ponte. Fizemos a primeira paragem do dia para tomar algo quente e descansar um pouco. Já caminhávamos há 3h e ainda não tínhamos chegado ao Outeiro.

A partir daqui, a Xana e a Andreia T. voltaram a integrar o grupo de caminhantes. O grupo ia animado, a subir pela berma duma estrada, quando se ouviu uma criança a chorar desesperadamente. Parámos para nos certificar que não era um cão, mas era mesmo uma criança e o som vinha do meio do silvado ali ao lado. Lancámo-nos pelos arbustos e descobrimos um menino com cerca de 2 anos caído de uma bicicleta. espantado por nos ver calou-se e algum tempo depois apareceu a mãe. Estava furiosa e garantiu-nos que tudo não passou de uma birra do menino que não queria seguir e ela para o ameaçar continuou a andar sem ele. Ainda bem que tudo não passou de um susto. Não admira que as conversas seguintes tivessem girado à voltas das sensíveis questões da educação.

Sempre a subir, chegámos finalmente ao Outeiro e ali os nossos expeditos companheiros esperavam-nos com comida para o almoço, além do habitual rodízio de tortilhas, pão e frutas, tínhamos ainda frango e empadas que sobraram da noite anterior!

Passámos o albergue de Outeiro e embrenhámo-nos em mais um bosque. Tínhamos ainda 18km pela frente. 18 sofridos kms... Nesta fase já nos era mais fácil uma subida do que uma descida. O que valia era a alegria e a boa disposição que nos iam distraindo das dores. Por esta altura, contavam-se anedotas! O problema é que o riso me lembrava da vontade de fazer xixi e não tive outro remédio se não improvisar uma casa de banho atrás dos arbustos.

Num cruzamento, encontrámos uma cadeira muito alta, impossível de dar descanso. Era um monumento aos peregrinos que tinham tantas oportunidades de descansar pelo caminho e mesmo assim teimavam em caminhar!
Em Susana, o grupo aprimorou-se com a presença do Jorge que quis fazer os últimos kms a pé connosco. Subidas e descidas. Risos e queixas. Camélias e chuva. Perguntávamos a cada transeunte quantos kms faltavam e espreitavámos do alto de cada subida na esperança de ver ao fundo os "pináculos retumbantes" da catedral, mas nada... o desespero surgiu quando pensávamos que estávamos a menos de 2 km do nosso destino e encontrámos uma indicação que nos garantia que tínhamos quase 6 km pela frente até ao nosso destino.
Eu e a Andreia esmorecemos e começámos a sentir com muita força cada uma das dores que nos assolavam: pés, joelhos e pernas latejavam em sofrimento. Decidimos parar a descansar num coreto, estendemos as pernas e comemos alguma coisa. Quando recomeçámos, já nos sentíamos melhor. e ficámos ainda mais animadas quando o Jorge se disponibilizou para nos levar de carro a Allariz, onde tínhamos deixado o nosso carro.
Quando finalmente avistámos a catedral, enchemo-nos de alegria. Tantas lutas, tanta descoberta, tanta profundidade, tudo o que cabia dentro daqueles 5 dias valera tanto a pena!
Descemos a coxear, mas esquecidos dos sofrimentos e dirigimo-nos para o seminário menor de Santiago que servia de albergue de peregrinos. Eu, o Vitor e a Andreia não fizemos o check-in pois ainda iríamos voltar nessa noite. Esperámos pelo grupo que se atrasara, mas viemos a saber que já estavam à nossa espera na catedral. A entrada foi emotiva e a missa foi muito sentida: a celebração da vida! No fim, assistimos a uma procissão de Via Crucis e tentámos abraçar o Santo, mas sem sucesso.

Já cá fora, do Largo do Obradoiro, todos reunidos, tirámos a tradicional foto de grupo!

Depois fomos jantar num restaurante, a comida não nos convenceu, mas a amizade prevaleceu.
A cada uma das pessoas que fizeram este caminho comigo, o meu profundo agradecimento!
A todos os outros, encontramo-nos por aí pois, para quem vive em peregrinação, esta foi só mais uma etapa de um longo caminho!
Que sejamos felizes!

Nota: Fotos de Pedro Costa

Castro Donzon - Bandeira (35 km) Via de la Plata

" Não precisamos de continuar a caminhar, há muitas formas de ser forte e não há nenhum problema em desistir. O nosso caminho é a nossa verdade e ela é o melhor presente que temos para oferecer."


No dia 26 de Março, o Gui fazia anos e como de costume começámos o dia bem cedo: às 7h da manhã já estávamos todos reunidos a cantar os parabéns e a partilhar uma tarte de Santiago que chegou para todo o grupo e ainda para alguns companheiros do albergue como a alemã Anna e as 3 espanholas que tinham a música dos Beirut no despertador.

Arrancámos logo depois e decidimos seguir até Lalin pela estrada nacional, uma vez que os caminhos se adivinhavam maus como no dia anterior. Quem quis, pôde deixar a mochila no carro de apoio. Mal começámos a caminhar, encontrámos a Anna que nos fez companhia até Lalin. Também a dona do despertador nos apanhou algum tempo depois, chamava-se Irene e decidiu avançar uma etapa, ao contrário das duas companheiras que vinham num ritmo mais lento mais atrás.


Em Lalin, apesar de a cidade ser relativamente grande, foi uma maratona atrás de um café. Finalmente encontrado, reunimos o  grande grupo, já com os colegas que tinham chegado de carro e convivemos um pouco naquele ambiente quentinho.

Depois tivemos de nos fazer novamente ao caminho, à estrada no caso, e alguns quilómetros depois estávamos em Laxe. Ali decidimos voltar ao caminho e separámo-nos das nossas companheiras Anna e Irene que continuaram pela estrada pois ainda queriam chegar nesse dia a Outeiro, um propósito muito ambicioso.

Nós voltámos a molhar os pés na lama e nos charcos, mas todos os esforços foram compensados com as surpresas que o caminho nos reservava e o silêncio que nos proporcionava. Um momento alto foi a travessia, sempre debaixo de chuva, de uma ponte milenar. Depois de mais vacarias, água e caminhos de lama, acreditámos que já tínhamos passado Silleda, o local onde os nossos companheiros de carro nos esperavam. Parecia-nos que já tínhamos andado muito, mas a verdade é que só mais à frente é que estavam os nossos amigos. Ali, soubemos que só havia um albergue privado em Silleda e o grupo teria de se dividir. Decidimos caminhar mais 5 ou 6 km até Bandeira. Os que estavam de carro ficaram em Silleda e os peregrinos pernoitariam no parque de campismo de Medelo, em Bandeira. Antes de nos fazermos novamente ao caminho, aproveitámos o almoço volante que os nossos queridos colegas nos tinham comprado. Chocolate, pão, chouriços, fruta, tortilha e sumos fizeram as nossas delícias.


O cansaço já era muito e aqueles minutos em que estivemos parados arrefeceram-nos, o arranque foi por isso doloroso, mas o caminho era para a frente.

Mais estrada, mais dores, mais risos e mais chuva, apesar de fraca nessa tarde. depois de termos percorrido já alguns kms, vimos uma indicação para o parque de campismo onde ficava o albergue. Como sabíamos que teríamos de fazer um desvio de 3 kms, seguimos essa indicação, mais à frente, com a ajuda de um taxista, soubemos que aquele era o caminho mais longo e por isso, para nosso desespero, tivemos de voltar para trás. Mais Kms, mais estrada, mais barulho e chuva. Junto ao acesso para uma autoestrada, decidimos parar num café para ir à casa de banho e beber algo quente. Atravessar a estrada mostrou-se depois um desafio perigoso, mas com calma tudo se conseguiu.
Os nossos colegas ligaram-nos entretanto  a avisar que o parque estava fechado e que nos levariam de carro de volta para Silleda. Ficámos tristes e confusos, pois já tínhamos telefonado e nos tinham garantido que havia lugares ali. Voltámos a ligar e voltaram a confirmar, pelo que decidimos seguir.
E foi duplamente escoltados que percorremos os 3 dolorosos kms que nos levariam ao parque de campismo. à nossa frente seguia um amável senhor que nos indicava o caminho de carro pelo meio de campos a perder de verde. Não havia dúvida que a paisagem era inspiradora. Atrás de nós, seguiam os nosso amigos que queriam saber se chegávamos bem.
Moral da história: só fomos a pé porque quisemos!
O bungalow onde ficámos no camping era acolhedor, mas pequeno, por isso o grupo ficou mesmo separado nessa noite. Mas fomos tão mimados pelos nosso companheiros que ns deixaram muita comida e ainda foram comprar frango assado e empanadilha galega que esquecemos o resto.
Tudo o que queríamos era dormir e o Gui não perdeu tempo, caiu na cama assim que chegou e nem se apercebeu da comida que chegou e muito menos do champanhe que tinham comprado para festejar o seu aniversário.
É que aquele longo dia que tinha começado num albergue há 35 kms atrás ainda não tinha terminado! Mas ele tinha morrido para o mundo.
Os outros ainda se aventuraram a descer uma ladeira à frente do bungalow até aos chuveiros, jantaram e pouco tempo depois estavam a dormir.
Como ninguém sabia quando o Gui iria acordar, dormimos de luz acesa. E às 4h da manhã acordámos com um barulho estonteante, é que a linha do comboio passava ali mesmo ao lado!

Nota: Fotos de Pedro Costa

domingo, 31 de março de 2013

Oseira - Castro Donzon (15 km) Via de la Plata


“Não adianta queixarmo-nos, não resulta centrarmo-nos nas dores. Somos totalmente responsáveis por cada passo que damos.”




O grupo acordou triste com a notícia que 3 dos nossos companheiros desistiam de seguir a pé e voltavam para Ourense para buscar o carro. Passaram a ser os nossos anjos da guarda. Os outros começaram a subir os montes ainda era escuro. A chuva era intensa e os caminhos estavam alagados e cheios de giestas e tojos. A caminhada era uma aventura de corta mato. Quando terminava uma subida, vinha uma descida acentuada e depois seguia-se novamente outra subida. Foi duro tendo em conta que tínhamos os pés completamente molhados e a chuva era intensa.
Ainda assim, envolvia-nos uma sensação mística por sabermos que estávamos a fazer o mesmo caminho que reis e rainhas e tantos homens velhos tinham percorrido antes de nós.
Cruzámos poucas aldeias e em nenhuma delas víamos gente, em compensação os cães abundavam. Felizmente, encontrámos uma senhora que conduzia uma parelha de vacas e nos deu algumas indicações. Segundo ela, estávamos a meia hora de Castro Donzon.
Apesar de tanta água, o caminho cheirava mal e a lama que pisávamos misturava-se com estrume dos animais.
Depois chegámos à estrada nacional e os últimos quilómetros foram feitos ao som dos camiões e a receber os jatos de água que os carros projetavam. Em Castro Donzon, completamente encharcados, decidimos procurar guarida no albergue e quando o grupo se reuniu decidimos ficar por ali, apesar de termos pensado seguir nesse dia até Laxe.

Para compensar tanta água, os nossos queridos amigos que estavam de carro chegaram com um almoço fantástico comprado no supermercado. Convivemos alegremente e depois maior parte do grupo deitou-se a descansar. Outros foram tomar café e fazer mais compras. Encontrámos outros peregrinos conhecidos, nomeadamente o grupo de sevilhanos, molhados até ao tutano. Afinal, eram mesmo caminhantes como nós. O albergue estava a abarrotar de gente e todos os radiadores estavam repletos de roupa e botas a secar.

Nós tivemos muito tempo para conviver, brincar, conversar e estreitar laços.
Jantámos bolonhesa cozinhada ali no albergue e durante a refeição, planeámos a etapa seguinte, o objetivo era chegar a Silleda.

Nota: Fotos de Pedro Costa

Ourense - Oseira (28 km) Via de la Plata


"As surpresas esperam-nos em cada curva do caminho e quando menos esperamos alguém nos oferece um rebuçado, nos pede uma oração ou nos dá palavras de alento."

A alvorada foi dada muito cedo e não precisámos de esperar pelos nossos despertadores, o som dos Beirut num telemóvel de outra peregrina acabou de nos acordar. Vestimo-nos rapidamente, arrumámos as mochilas e descemos para comer o pequeno-almoço que tínhamos comprado no dia anterior.

A cidade de Ourense recebia as primeiras luzes matinais quando contornámos a velha catedral e assistimos à lavagem das ruas cheias de lixo e copos de vidro da noite anterior. Algumas pessoas embriagadas ofereciam-nos espetáculos degradantes e as ruas tinham muito encanto ainda a dormir. Quem queria tomar café é que tinha de esperar um pouco mais até que algum estabelecimento abrisse. Atravessámos a enorme ponte romana sobre o Rio Minho. Dali viam-se outras pontes, uma delas muito moderna, cheia de ondas onde as pessoas podiam passear.
Depois tivemos de escolher o caminho a seguir, já que ele se bifurcava. Optámos pelo mais longo e menos íngreme, mas ninguém percebeu porquê pois mesmo assim subimos a pique e não imaginávamos como seria o outro subindo ainda mais. Antes disso, parámos num café que já estava aberto e quem tomou café ficou surpreendido com os croissants oferecidos com as bebidas.

À medida que íamos subindo, o cansaço ia-se manifestando e a chuva era uma constante, mas a paisagem e o companheirismo compensavam tudo. A verdade é que nos íamos conhecendo mutuamente e o espírito de grupo nascia com o dia. O bom humor vencia todos os obstáculos, a água nos caminhos e o mau tempo eram elementos que não nos assustavam.
As aldeias iam-se sucedendo umas às outras e já apetecia parar para descansar depois de já estarmos há algumas horas a caminhar. Isso aconteceu em Tallamanco, onde por sorte apanhámos uma aberta e se vislumbraram uns raios de sol. Houve quem aproveitasse para ir a um bar à casa de banho e quem se deitasse no chão com as pernas ao alto e quase todos quiseram sacar a merenda e comer alguma coisa. Cruzou-se connosco um outro peregrino que se alegrou com a nossa presença pois éramos os primeiros peregrinos de Santiago com quem se cruzava. Não havíamos de nos voltar a cruzar com ele.
Seguimos caminho, uns mais à frente e outros mais a trás, observando sempre as setas amarelas. Muitos quilómetros mais à frente, quando estávamos quase a chegar a Cea, encontrámos um grupo numa esplanada que nos saudou e se apresentou como peregrinos que vinham já desde Sevilha. Já em Ourense tínhamos conhecido a Anna, uma alemã que vinha a pé desde Sevilha. Eles trocaram algumas impressões connosco e desejaram-nos bom caminho. Tinham ótimo aspeto e seguimos caminho convencidos que tinham estado a gozar connosco.

À entrada de Cea vimos um homem a apanhar um pato no rio, a Xana pediu-lhe indicações para o albergue e percebeu que era ele o responsável. Levou-nos até lá e deixou-nos descansar e aquecer. Pediu ajuda para prender o pato, mas passado pouco tempo o animal desprendeu-se e fez cocó, mas o homem não desistiu e voltou a prender o pobre bicho. Decidimos fazer mais alguns quilómetros nesse dia até ao Mosteiro de Oseira, como ali seria difícil comprar comida e era domingo, optámos por almoçar em Cea e guardar a comida que tínhamos preparado para o almoço para o jantar.
Fomos ao Pintarollo e o nosso amigo Gui revelou-se uma verdadeira “Lenda Galega”. Serviram-nos tapas de presunto, chouriço e queijo à descrição e 2 tortilhas frescas. O pão de Cea era um verdadeiro pitéu. Saímos reconfortados.
Embora cansados, seguimos com coragem pela estrada nacional até Oseira. Foi difícil, alguns de nós já tinham bolhas nos pés e o cansaço causava dores.

À chegada, encontrámos um cenário inacreditável, um mosteiro cisterciense milenar arregalava-nos o olhar. Ali estava a simplicidade, o encontro e a eternidade disponíveis para quem quisesse juntar-se aos monges na oração de Vésperas. Foi a primeira grande surpresa do caminho. Um grande sinal da paz e verdade que existe dentro de cada um de nós e que muitas vezes vamos procurar longe.
Dormimos ali mesmo no mosteiro, apesar do frio, o cenário proporcionou-nos uma experiência única.

Nota: Fotos de Pedro Costa

Allariz - Ourense (22km) Via de la Plata

"Não cessaremos de explorar e o fim de toda a exploração será chegar onde começámos. E conhecer o lugar pela primeira vez."

Eu, a Andreia e o Vitor saímos de Vila Real para Allariz de carro no Sábado, dia 23 de Março, pouco antes das 7h. Acordámos cedo e perdemos 1 hora com a entrada em Espanha, mas às 9h15 já estávamos em frente ao Albergue de Allariz onde tinham dormido os nossos primeiros companheiros de caminho: a Karina, a Xana e o Guilherme e ainda 2 amigos que os tinham ido levar e nos acompanharam nos primeiros quilómetros. O carro ficaria ali estacionado durante os dias seguintes. Cumprimentos, apresentações e começámos logo a caminhar.
Pelo meio da vila, assistimos ao sono eterno do granito e da cantonaria. Nem vivalma nem setas amarelas. Os nossos passos ecoavam nas paredes da catedral, das igrejas e das casas senhoriais orgulhosamente estendidas ao longo das ruas.
Depois, o rio e o verde falaram-nos da Reserva da Biosfera que nos esperava. Atravessámos a ponte romana e os nossos olhos ora procuravam indicações a seguir ora se regalavam com a beleza daquele conjunto arquitetónico e natural. E foi na ponte que nos apareceu o primeiro anjo: a senhora com as indicações certas. E a verdade é que logo a seguir encontrámos o 1.º marco de granito que apontava o caminho com uma vieira amarela sob um fundo azul e em baixo tinha o número de quilómetros até Santiago: 128,945km. O caminho seguia pelas aldeias e furava bosques maravilhosos de carvalhos e muito verde. Várias flores despontavam e anunciavam a primavera. As mimosas traziam-nos um perfume tão doce que chegava à alma.
Não tardou até termos de meter os pés em poças de água dos caminhos que estavam alagados. Para evitar molhar mais os pés, saltámos muros e seguimos por cima das pedras. E também não tardou até chover, mas nada que nos tivesse atrapalhado. As nossas capas da chuva saíram da mochila para não mais voltarem.
Depois de muitos quilómetros percorridos, tínhamos já deixado o concelho de Allariz e entrado nas primeiras aldeias de Ourense, quando chegámos à zona industrial de San Cibran, onde havia um abrigo do caminho: um telheiro com uma mesa e bancos de madeira. Ao lado havia uma fonte. Parámos para almoçar e escapámos assim de uma carga de água que caiu com toda a força. Analisámos o mapa do caminho que estava ali exposto e fizemos planos sobre as etapas dos dias seguintes.
Quase na entrada da cidade, fomos abordados por uma senhora muito gentil que nos deu rebuçados e nos incentivou a cantar. A Karina e a Xana já o tinham feito espontaneamente antes e depois continuaram.
Entrámos em Ourense já cansados e atravessámos uma avenida que parecia não ter fim à procura do albergue que viemos a descobrir que se localizava num antigo convento de S. Francisco. Lidámos com tolerância com as observações pouco gentis relativamente aos portugueses do rapaz que nos atendeu.
Depois de tomarmos banho e descansarmos um pouco, fomos ao supermercado comprar comida para cozinharmos o jantar prepararmos sandes para o dia seguinte. Conhecemos então os nossos restantes companheiros de caminho que tinham chegado de Lisboa e nos acompanhariam no dia seguinte: a Andreia, o Jorge, o Rui, a Marina e o Pedro.
O albergue estava cheio, muita gente de várias nacionalidades estava também a fazer o caminho e essa noite foi complicada. Foi difícil dormir com o ressonar de um colega da camarata vizinha.

sábado, 30 de março de 2013

4.ª Etapa CPIS


Acordámos cedo, com sono, mas determinados. Calçámos as nossas sapatilhas húmidas e metemo-nos ao caminho, voltando a atravessar a cidade de Chaves em direção ao castelo. Chovia incessantemente e não tardou muito até voltarmos a ficar com os pés molhados. As nossas capas da chuva agora não assustavam ninguém porque não havia vivalma àquela hora em que o dia ainda amanhecia.
Saindo do perímetro urbano, fomos seguindo por estradas municipais, cruzando várias aldeias cheias de história. Impressionou-nos a harmonia do Outeiro Seco.
Depois subimos rente à Escola Superior de Enfermagem e mais a cima pelo meio do Parque Industrial. Já havia terras de Espanha à vista, mas para as alcançarmos precisámos de atravessar várias aldeias: Vila Meã, Vilarinho da Raia e depois Vilarelho da Raia. Nesta aldeia vimos um marco com um P esculpido, imaginei que se tratava de um marco da fronteira e decidi espreitar o outro lado da pedra para confirmar se tinha um E. Fartámo-nos de rir quando no exato momento em que dei um passo em frente recebi uma mensagem no telemóvel de uma operadora a informar-me sobre as tarifas em Espanha.
Afinal não passámos em Vila Verde da Raia, como nos tinha dito o dono da pensão. Estávamos já mais a Norte e não tardou a avistarmos ao longe a cidade de Verin, destino daquela etapa.
A chuva naquele dia foi implacável, não nos deu tréguas e foi a nossa fiel companheira.
Circundávamos o Tâmega quando cruzámos a primeira aldeia espanhola, Rabal, e partir dali até Verin havíamos de seguir sempre o seu curso.
Apesar de as indicações que nos deram na pensão não estarem a bater certo, o cansaço apertava e optámos por ir pela estrada em vez de seguir o caminho, no intuito de pouparmos alguns quilómetros, como nos tinham aconselhado.
Os 10 km que se seguiram foram muito difíceis, sempre ao lado da estrada, por onde passavam carros e camiões a alta velocidade, molhando-nos ainda mais e desesperando-nos com o seu barulho.
De repente, ouvimos música. Olhámos e vimos um daqueles carros que não precisam de carta de condução, os chamados “papa-reformas”. Apesar de irmos numa reta, o carro ia aos esses e mais à frente acreditámos que se ia despistar, pois ia completamente pela berma. Se fosse na nossa mão ter-nos-ia apanhado. Cruzou-se com um camião e desviou-se ainda mais. Deixámos de o ver na curva que se seguiu, mas estávamos assustados.
Mais alguns quilómetros, muita chuva e algumas dores à frente, passámos por baixo da autoestrada das Rias Baixas que segue até Vigo. Estávamos à entrada de Verin. Agradecemos quando o vimos o carro do Pedro, a nossa boleia até Vila Real. E assim terminámos a 4.ª etapa.
As 2 seguintes vão ser saltadas. Queremos fazê-las daqui a uns meses. Para já, esperam-nos 5 dias seguidos, de Allariz a Santiago, já na chamada “Via de la Plata”.

3.ª Etapa CPIS


Eu, o Vitor e a Andreia chegámos a Vidago perto das 11h de Sábado, dia 9 de Março. Decidimos começar exatamente no ponto onde tínhamos terminado a última etapa e, apesar de não encontrarmos qualquer seta amarela, fomos seguindo na direção que nos
parecia a correta, próximo da antiga linha de comboio, na esperança de encontrarmos o rumo em breve.
Passámos numa lavandaria e perguntámos indicações para o caminho, não sabiam, mas deram-nos o nome do dono de um restaurante em Chaves que já tinha feito o caminho e nos poderia dar algumas indicações quando lá chegássemos. Aproveitámos para pedir carimbos para as nossas credenciais.
Continuámos pela estrada e depois descemos para um caminho naquela que nos pareceu a direção de Chaves, mas esse caminho levou-nos para uma propriedade privada. Definitivamente, estávamos enganados e não tivemos outro remédio a não ser voltar para trás à procura das setas amarelas. E só no centro de Vidago conseguimos ajuda de um bombeiro que nos disse que o caminho seguia precisamente na direção contrária àquela que tínhamos seguido. Saímos da vila e fomos seguindo por Candal em direção à serra.
Os quilómetros seguintes foram sempre a subir, com alguns chuviscos, mas nada de especial comparado com as previsões para esse dia. A subida aqueceu-nos e só parou em S. Pedro de Agostém, a partir dali o caminho seria a descer até chegarmos a Chaves. Já quase à chegada, fomos surpreendidos por uma forte carga de água. Aproveitámos o abrigo à entrada de uma fábrica para comermos a comida que levávamos para o almoço.
Os últimos quilómetros foram percorridos ao longo da Estrada Nacional já no perímetro urbano. Depois seguimos por um parque que nos levou até ao rio. Envergávamos as nossas capas de chuva e causávamos estranheza a quem connosco se cruzava. Quando nos preparávamos para atravessar a ponte romana sobre o rio Tâmega, a chuva era tão forte que nos obrigou a esperar junto à soleira de uma loja. Cruzámo-nos depois com um indivíduo que nos perscrutou com muita atenção. Mais à frente, perguntámos onde ficava a Pensão Flávia, equiparada a albergue de peregrinos -onde iríamos dormir nessa noite. Estávamos perto, mas quando chegámos, ansiosos por vestir e calçar alguma coisa seca, deparámo-nos com as suas portas fechadas. Ficámos a saber que só reabria às 17h (eram 15h) e que tínhamos primeiro de ir aos bombeiros carimbar a nossa credencial de peregrino. Fizemos o caminho inverso, atravessando novamente a ponte romana e voltando a cruzar-nos aí com o mesmo indivíduo que agora nos pediu dinheiro.
Como faltava muito tempo para abrir a pensão decidimos ir procurar o restaurante que nos tinham indicado em Vidago para trocar algumas impressões com o seu dono e tomar café, enquanto esperávamos num sítio quentinho. Percorremos toda a zona das Caldas, consoante nos tinham dito, mas não encontrámos o local. Continuámos a deambular pela cidade, só parando na igreja matriz e no castelo, onde nos deliciámos com as vistas. Depois andámos pelas ruas principais, vimos lojas e acercámo-nos da rua da pensão, percebendo que existiam ali muitos bares e discotecas. A noite prometia.
Esperámos nas escadas de um prédio em frente até aparecer o dono da pensão e nos receber. Instalámo-nos confortavelmente e descansámos. Depois fizemos serventia da cozinha e comemos mais comida que tínhamos levado. Como era cedo, descemos até ao café da pensão e jogámos dominó. O dono veio ter connosco e deu-nos algumas indicações para o caminho do dia seguinte, uma vez que já tinha feito o Caminho de Santiago várias vezes de bicicleta e a pé.
Deitámo-nos e adormecemos cedo, mas várias vezes durante a noite fomos acordados com gritaria que vinha da rua e do quarto ao lado, onde um grupo de jovens continuava a festa que tinha terminado nos estabelecimentos de diversão noturna.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

2.ª Etapa CPIS


Começámos o Caminho no ponto onde tínhamos terminado na última etapa: Parada de Aguiar. Dali até Vila Pouca, sempre em linha reta, parecia rápido, mas não foi tanto assim. A ponte imponente da autoestrada corta completamente a paisagem, vê-se de todo o lado e dá-nos a sensação de aniquilação: cada passo que damos parece não ter impacto perto dela. A mim, causou-me estranheza passar por baixo dela, não só pelo impacto ambiental que representa, mas também pela imagem dos suicídios que sei que ali aconteceram. Para quebrar a sensação desconfortável, concentrámo-nos no cheiro da vacaria que ficava exatamente debaixo da ponte.
Chegados a Vila Pouca de Aguiar, contornámos o Intermarché e depois fomos parar a uma rua pedonal. Nunca lá tinha estado. Comportámo-nos como verdadeiros turistas, tirando fotografias numa fonte, numa escultura moderna e noutros pontos de interesse. A minha mãe mostrou-nos então a clínica dentária onde arrancou o seu primeiro dente aos 16 anos.
Depois, seguimos para uma aldeia onde havia uma ponte romana que dava acesso a uma estrada também romana que nos levaria até às Pedras Salgadas. Nessa aldeia, cruzámo-nos com um homem que seguia pacato a sua viagem numa carroça conduzida por um burro. Ao longo do caminho, havíamos de nos cruzar com mais 4 ou 5.
O caminho era paralelo a um rio, ao lado de lameiros, e estava cheio de água, o que aconteceu durante toda a etapa. Cedo ficámos com os pés molhados. Quer dizer, eles ficaram porque eu tinha as minhas botas novas que me deram nos anos e são impermeáveis. Ao longo do itinerário, podemos apreciar muitos animais como cavalos, burros, ovelhas e vacas e testemunhar os primeiros sinais da primavera, bem visíveis nas mimosas perfumadas, nas árvores de fruto já em flor e noutras florzinhas azuis que cresciam selvagens nos muros e rebordos do caminho.
À frente, um desvio obrigou-nos a subir até à linha do comboio desativada e, seguindo por ela, estávamos quase a chegar às Pedras quando o fim do desvio nos mandou novamente para o caminho romano ao longo do rio. Sentimos que fizemos mais alguns quilómetros do que seria suposto, mas caminho é caminho e nós fomos muito obedientes.
À chegada às Pedras Salgadas, impressionou-nos a decadência de um hotel de charme junto às termas. Numa torre desativada, havia um grande ninho de cegonhas. A contrastar com esse abandono, havia um Ecoresort acabadinho de estrear, bem como um hotel &SPA desenhado pelo Siza Vieira. O parque termal é muito bonito e nós não resistimos a passear por lá. Foi então que a minha mãe nos fez uma segunda confidência, muito mais interessante do que a anterior: no dia do seu casamento, ela e o meu pai, acompanhados do meu tio e da sua namorada de então “fugiram” da boda, alugaram um táxi e passaram o fim de tarde naquele parque lindíssimo, a beber bebidas frescas.
Logo que saímos dali em direção a Vidago, passámos pela Quinta de Santiago, eloquentemente assinalada com a imagem do santo peregrino. Subimos depois a Sabroso de Aguiar, onde fizemos o único quilómetro da etapa por estrada nacional para logo a seguir descermos por um monte até ao nosso destino.
Ao longo do caminho, restos de casas abandonadas, vestígios de antigas quintas e campos de cultivo. Já estávamos quase a chegar a Vidago, quando voltámos a ter contacto com a civilização. Com um contraste brutal: ao lado das casas da aldeia, onde gente simples estendia roupa ao sol e almoçava tranquilamente estendia-se um enorme campo de golfe que só terminava no Hotel Palácio de Vidado, onde finalizou a nossa etapa. Centenas de pessoas passeavam-se pelo campo, arrastando os seus carrinhos do material. Muitos faziam-se transportar em veículos motorizados. Homens vestidos de forma muito parecida iniciavam os filhos adolescentes na arte ou aproveitavam para tratar de negócios. O parque automóvel que se seguia denunciava a classe social desses indivíduos, se dúvidas houvesse.

















Nós acusávamos já o cansaço do dia e agradecemos quando vimos as escadas da igreja matriz. Mas não nos chegámos a sentar, o Pedro chegou ao mesmo tempo que nós. Ele saíra de casa dos meus pais de bicicleta e quando chegou a Parada de Aguiar, arrumou no carro que lá deixámos de manhã a bicicleta, dali seguiu até Vidago, tendo chegado no timing perfeito.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Calendário CPIS

Quem se quer juntar a nós no caminho?

17 Fev:            Parada Aguiar - Vidago
9 Mar:             Vidago- Chaves (dormida no albergue de Chaves)
10 Mar:           Chaves -Verin
23 a 29 Mar:   Verin- Santiago
30 Mar:           Regresso a Portugal

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

1.ª Etapa CPIS


Saímos cedo para um dia de Janeiro muito húmido, com temperaturas a rondar os 3.º, mas o frio acabou por não ser um problema, pois assim que começámos a andar aquecemos.

A nossa primeira etapa tinha 26,8 Km e ligava Vila Real a Parada de Aguiar, no entanto, nós não começámos em Vila Real, mas sim perto de casa dos meus pais, em Adoufe, por isso devemos ter percorrido cerca de 20 km. Demorámos precisamente 5h: às 13h já estávamos no destino e ainda conseguimos ter o habitual almoço de Domingo em família.

Há já algum tempo que queria fazer o Caminho de Santiago, começando em casa dos meus pais. Uma vez que dali até Santiago são mais de 11 etapas, decidi fazer aquelas que percorrem o território nacional em dias alternados (sensivelmente uma vez por mês). As últimas, já em Espanha, quero fazê-las seguidas, durante uma semana.

Logo depois de termos passado a igreja, que me acolheu religiosamente todos os domingos durante o tempo em que ali vivi, descemos ao rio. Por incrível que pareça, foi preciso seguir as setas amarelas do Caminho para atravessar pela primeira vez uma ponte muito antiga, talvez romana, que atravessa ali o rio e está tão perto da outra, mais moderna, onde tantas vezes passei. O caminho subia depois em direção a Coêdo, nós discutíamos a veracidade das comemorações dos 700 anos da fundação daquela aldeia. No meio da aldeia, ao lado da capela, um grande toldo tirou-nos as teimas: “800 anos de foral”. Granito e vacas que passeiam indiferentes a caminheiros ou manhãs de frio testemunham ainda essa história.

Ainda não tínhamos saído dessa aldeia, quando fomos ultrapassados por um grande grupo de caminhantes, não iam para Santiago, pois mais à frente viraram para a estrada nacional, desprezando as indicações das setas amarelas. De admirar a sua determinação, estar ali, naquela hora, não era para todos.

Nós não éramos todos. Fomos apenas um motivo para o caminho existir. Mesmo quando ele nos mandava para a berma da estrada nacional, como aconteceu em Escariz e, mais em cima, entre Benagouro e Vilarinho da Samardã. Entre Escariz e Benagouro descemos por caminhos muito antigos quase até ao rio e chegámos a acreditar que seria ali que atravessávamos o Corgo, talvez por uma ponte da qual não saberíamos dizer a idade. Mas o caminho agora subia. Pior do que a subida, para quem não levava galochas ou botas impermeáveis, era a água que o cobria, transformando-o num ribeiro. A saltar de pedra e a enfiar algumas vezes o pé na lama, o meu pai reclamava. Ele sabia que havia outro caminho melhor e não percebia porque é que teimávamos em seguir as setas amarelas.

Gostei muito de conhecer Benagouro, outro dos sítios tão perto da minha aldeia natal onde eu nunca tinha ido. As casas de granito estavam na sua maioria preservadas e a aldeia dormia em paz, bem lavada.

Também a Vilarinho da Samardã fui pela primeira vez, ali ri-me do eucalipto centenário plantado pelo Pe. Luís Castelo Branco e visitado pelo então Primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva, em 1994. Dois rapazes seguiam muito limpos para a missa, deviam ter uma diferença de 3 ou 4 anos entre eles, mas as suas roupas eram exatamente iguais até ao mínimo pormenor, como se fossem gémeos. Contornámos a casa onde viveu Camilo Castelo Branco e onde, segundo a inscrição, passou os melhores tempos da sua mocidade.

Dois cães, pequenos, mas ameaçadores, vieram até nós e a minha mãe deu-lhes um pouco de bolo Teixeira que íamos a comer. O caminho depois descia muito, as fragas que o cobriam estavam tão gastas e tinham tanta água que nós temíamos escorregar, mas isso não aconteceu. Lá em baixo o rio. A natureza. O poder das águas. Do outro lado da encosta, a miragem da antiga linha de comboio agora desativada e transformada em ciclovia. Atravessámos o rio por uma ponte de cimento muito estreitinha. O Inverno dava-lhe vigor e ele cantava vitorioso, arrastando consigo troncos de árvores e muita espuma. Cheirava a fresco e a húmus. Parecia o primeiro dia do universo.

O estradão que subimos depois até à linha era recente. Foi uma das partes mais difíceis desse dia, mas não custou assim tanto. Quando atingimos a linha foi um alívio, sabíamos que a partir dali já não subiríamos muito mais.

Os quilómetros seguintes foram por isso bálsamo para os nossos pés e os nossos sentidos. A estrada de terra batida que cobria a antiga linha acariciava os pés. A ausência de marcas humanas na paisagem lavava-nos olhos, mais do que os chuviscos, puxados pelo vento, que caiam de vez em quando.

“Covelo lá em cima” – mostrou-me o pai. Entrámos no concelho de Vila Pouca de Aguiar e percebemo-lo logo pelo asfalto que cobria agora a linha. Os nosso pés torceram o nariz.

Ali perto podia haver lobos, mas isso não nos assustava nada porque o caminho agora era a descer. Ao fundo, o grande vale de Vila Pouca.

À entrada de Tourencinho, cruzámo-nos com ciclistas que faziam o caminho em sentido contrário. A aldeia inspirava confiança: modernidade e tradição muito bem alinhadas no Lar de Idosos e Centro Cultural, onde dantes havia uma estação ou apeadeiro.

Depois, continuando a ser fiéis às setas, saímos da linha e seguimos por caminhos entre lameiros, perto do rio. O meu pai reclamava e ameaçava voltar para a linha, mas não o fez e molhou ainda mais os pés, pois aqui a água era constante.

Passámos por vários rebanhos de ovelhas e cabras. Vimos muitas vacas, burros e cães. Fomos saudados por “olá” estranho que vinha de um corvo, exibido no quintal de uma casa, dentro de uma grande gaiola.

Depois passámos por Zimão e mais 2 ou 3 aldeias, até chegarmos a Parada de Aguiar, onde nos esperavam para voltarmos a casa e nos aquecermos com uma feijoada à transmontana. Mas a verdade é que não tivemos frio.















Daqui a um mês recomeçamos em Parada de Aguiar e vamos até Vidago.