Começámos o Caminho no ponto onde
tínhamos terminado na última etapa: Parada de Aguiar. Dali até Vila Pouca,
sempre em linha reta, parecia rápido, mas não foi tanto assim. A ponte
imponente da autoestrada corta completamente a paisagem, vê-se de todo o lado e
dá-nos a sensação de aniquilação: cada passo que damos parece não ter impacto
perto dela. A mim, causou-me estranheza passar por baixo dela, não só pelo impacto
ambiental que representa, mas também pela imagem dos suicídios que sei que ali
aconteceram. Para quebrar a sensação desconfortável, concentrámo-nos no cheiro
da vacaria que ficava exatamente debaixo da ponte.
Chegados a Vila Pouca de Aguiar,
contornámos o Intermarché e depois fomos parar a uma rua pedonal. Nunca lá
tinha estado. Comportámo-nos como verdadeiros turistas, tirando fotografias
numa fonte, numa escultura moderna e noutros pontos de interesse. A minha mãe
mostrou-nos então a clínica dentária onde arrancou o seu primeiro dente aos 16
anos.
Depois, seguimos para uma aldeia
onde havia uma ponte romana que dava acesso a uma estrada também romana que nos
levaria até às Pedras Salgadas. Nessa aldeia, cruzámo-nos com um homem que
seguia pacato a sua viagem numa carroça conduzida por um burro. Ao longo do
caminho, havíamos de nos cruzar com mais 4 ou 5.
O caminho era paralelo a um rio,
ao lado de lameiros, e estava cheio de água, o que aconteceu durante toda a
etapa. Cedo ficámos com os pés molhados. Quer dizer, eles ficaram porque eu
tinha as minhas botas novas que me deram nos anos e são impermeáveis. Ao longo
do itinerário, podemos apreciar muitos animais como cavalos, burros, ovelhas e
vacas e testemunhar os primeiros sinais da primavera, bem visíveis nas mimosas
perfumadas, nas árvores de fruto já em flor e noutras florzinhas azuis que
cresciam selvagens nos muros e rebordos do caminho.
À frente, um desvio obrigou-nos a
subir até à linha do comboio desativada e, seguindo por ela, estávamos quase a
chegar às Pedras quando o fim do desvio nos mandou novamente para o caminho
romano ao longo do rio. Sentimos que fizemos mais alguns quilómetros do que
seria suposto, mas caminho é caminho e nós fomos muito obedientes.
À chegada às Pedras Salgadas,
impressionou-nos a decadência de um hotel de charme junto às termas. Numa torre
desativada, havia um grande ninho de cegonhas. A contrastar com esse abandono,
havia um Ecoresort acabadinho de estrear, bem como um hotel &SPA desenhado
pelo Siza Vieira. O parque termal é muito bonito e nós não resistimos a passear por
lá. Foi então que a minha mãe nos fez uma segunda confidência, muito mais
interessante do que a anterior: no dia do seu casamento, ela e o meu pai,
acompanhados do meu tio e da sua namorada de então “fugiram” da boda, alugaram um
táxi e passaram o fim de tarde naquele parque lindíssimo, a beber bebidas
frescas.
Logo que saímos dali em direção a
Vidago, passámos pela Quinta de Santiago, eloquentemente assinalada com a
imagem do santo peregrino. Subimos depois a Sabroso de Aguiar, onde fizemos o
único quilómetro da etapa por estrada nacional para logo a seguir descermos por
um monte até ao nosso destino.
Ao longo do caminho, restos de
casas abandonadas, vestígios de antigas quintas e campos de cultivo. Já
estávamos quase a chegar a Vidago, quando voltámos a ter contacto com a civilização.
Com um contraste brutal: ao lado das casas da aldeia, onde gente simples
estendia roupa ao sol e almoçava tranquilamente estendia-se um enorme campo de
golfe que só terminava no Hotel Palácio de Vidado, onde finalizou a nossa etapa.
Centenas de pessoas passeavam-se pelo campo, arrastando os seus carrinhos do
material. Muitos faziam-se transportar em veículos motorizados. Homens vestidos de forma muito parecida iniciavam os filhos adolescentes na arte ou
aproveitavam para tratar de negócios. O parque automóvel que se seguia
denunciava a classe social desses indivíduos, se dúvidas houvesse.
Nós acusávamos já o cansaço do
dia e agradecemos quando vimos as escadas da igreja matriz. Mas não nos
chegámos a sentar, o Pedro chegou ao mesmo tempo que nós. Ele saíra de casa dos
meus pais de bicicleta e quando chegou a Parada de Aguiar, arrumou no carro que
lá deixámos de manhã a bicicleta, dali seguiu até Vidago, tendo chegado no
timing perfeito.