domingo, 19 de setembro de 2010

Onde ficam as Escadinhas das Portas do Mar?


Não seguimos em frente, passamos por baixo de um arco que nos leva a uma ruela escura que não sabemos se tem saída e que deve cheirar a mijo, mas não, cheira a caril de um restaurante indiano. Aqui a renda é com certeza mais barata do que na rua principal onde todos os turistas confluem.

Paramos numa padaria para comprar uma garrafa de água e depois sentamo-nos numas escadinhas a observar. Um gato fareja aqui e ali e um homem que passa diz para a menina que brinca na varanda do primeiro andar em frente à padaria que o gato está grávido. Ouvem-se risos. Noutra varanda da casa, esta virada para nós, a mãe da menina fala ao telemóvel e reclama com uma operadora de call centre.

Em frente a nós, dois estudantes vestidos de preto e com pronúncia do Norte insultam o cabrão do homem que recebeu o dinheiro da renda e agora não põe a máquina de lavar roupa. Contornam-nos, sobem as escadas e batem com a porta.

Um homem consegue arranjar espaço naquela ruinha para estacionar uma carrinha enorme entre nós e a padaria, vai fazer contas com a senhora da padaria e depois sai com um saco de plástico daqueles do pão meio cheio de moedas. Vai-se embora.

Passa uma mulher que não tem aspecto de turista com um mapa de um guia turístico na mão, enquanto um homem bem vestido de fato continua a falar ao telemóvel na rua sem se saber onde pertence.

Agora começa a cheirar a pescada e batatas cozidas, mas o caril é mais forte. E ainda cabe mais um carro.

No meio das casas há uma chaminé de tijolo laranja de uma fábrica.

O gato grávido afinal é chamado pela menina filha da mulher que reclama ao telemóvel de Maria. A senhora da padaria limpa o balcão para fechar. Passa uma família de um português, uma espanhola e duas meninas pequeninas cada uma com uma bicicleta e chamam Inês à menina que chamou o gato de Maria.

O gato ronrona a um cão em miniatura que veio à rua passear ou será que é o cão que rosna ao gato grávido?

A mulher acabou a conversa e desliga o telemóvel. A padaria já tem as luzes apagadas.

Há outro cão que espreita na janela em frente à varanda da Inês e recebe festas enquanto a dona estende um tapete.

Dois estrangeiros perguntam-nos como se vai “para riba?” e nós não sabemos, mas um homem que chega com sacos de supermercado logo explica que têm de ir pela estrada. O homem entra no prédio onde vive o cão que recebe festas e volta a sair, dizendo para a mulher do telemóvel “já viste? Meteram mais um carro naquele cantinho. Se há uma emergência estou para ver como é que é!”. Vai-se embora e a mulher manda o marido ligar “agora!” ao Hugo a ver se eles querem almoçar no Domingo. A mulher vem novamente falar ao telemóvel para a varanda, pergunta se preferem uma grelhada mista ou o bacalhau que ali é muito bom e sai mais barato.

Ouve-se o arrulhar de um pombo, começa a ficar mais escuro e há um brisa fresca no ar, mas não cheira mal aqui. Chega até nós o som de talheres a bater nos pratos. Em volta do letreiro do restaurante indiano piscam luzes de Natal.

3 comentários:

  1. Dedicado a todos aqueles que vão perguntando: "Então, tens escrito? Tens criado alguma coisa?", as Escadinhas das Portas do Mar são um sítio onde a criatividade venceu as barreiras da monotonia, do conformismo e das desculpas.
    E as tuas escadinhas onde ficam?

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  2. Que giroo!!! eheheh assim já ficamos a saber o que fazem voces por ai, e nao e que teem os sentidos bem apurados?! gostei!! e quero ler mais

    mola un huevo jejeje besiños desde vallecas

    de nós :)

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  3. Gostei do preconceito "2 estudantes de preto". Já agora, o cabrão do senhorio sempre arranjou a máquina de lavar a roupa. Boa criatividade, apareçam mais vezes.

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