sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Maternidade




Tão improvável como ter nascido neste sítio foi ter chegadocá agora mais de 30 anos depois. A caminhar ao acaso pela cidade: avirar à direita ou à esquerda ao calhas conforme o lado da rua onde bate o sol,arrepiozinho de prazer; a parar para ver um pormenor da rua que fotografo: aolado da tabuleta oficial “Rua da Torrinha”, outra indicação pintada na paredeelucida “Rua Júlia Nogueira, ínsígne mestre das sirigaitas”; a desviar-me de umabelhão que plana à altura do meu nariz; mais à frente vejo do lado direito darua um palácio imponente que parece ter sido transformado numa discoteca eimpressiono-me com o facto de os vidros frágeis e velhos estarem todosintactos… e depois “Maternidade Júlio Dinis”. Mas foi aqui que eu nasci!! E averdade é que nunca mais cá tinha voltado. Quis entrar, o sítio onde nascemosafinal será sempre a nossa casa.

Apesar de a minha mãe me ter registado como natural dafreguesia onde sempre vivi, eu sou daqui porque foi este mundo que abriu umacratera para me acolher e me deixou ganhar fôlego e gritar. Obrigada pedras,lago e buganvílias secas, mesmo que já não sejam os mesmos!

Onde será que estacionou a ambulância que atravessou ascurvas da montanha com a minha mãe a contorcer-se de dores? Quem terá visto omeu rosto pela primeira vez? E o que terá sentido o meu pai quando entrou aquihoras depois depois de uma viagem atribulada de camioneta com os nervos aquererem sair pela boca?

Não sei se são as vidas, as pedras ou o medo reciclados queme sussurram agora numa frescura matinal: “a viagem foi longa, mas chegaste aosítio certo, está tudo pronto, podes nascer”.

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