terça-feira, 21 de agosto de 2012

Túnel


Túnel –parte I

O caminho segue agora por um túnel. No chão, as tábuas que pisamos são mais redondas e escorregadias. Por cima de nós, insinuam-se morcegos e dentro de nós um alarido de asas a bater traz ao de cima todos os mitos e medos que estes animais representam. Nós somos pernas a andar mecanicamente, traque, traque, em cima dos carris da linha.

Demoramos mais tempo a passar o túnel do que teria demorado o comboio, mas talvez não muito mais. O tempo é de calma nesta terra marginal. A escuridão impõe-se e só é cortada pelas asas que batem não sabemos onde. O cheiro é virgem: ferro e interior da terra. A rocha é casa. Nós somos mais do que pernas a andar, somos mais do que olhos no chão para evitar os morcegos. Nós somos certeza: há luz e há fim. Há rio aqui ao lado, há amoras e sol tórrido. Estamos no túnel agora. Somos túnel, talvez, firmados por uma entrada e uma saída. E caminhamos com a determinação de quem sabe que o princípio e o fim se tocam.

Túnel –parte II

Levo auscultadores nos ouvidos, mas a música é totalmente abafada pelo barulho ensurdecedor dos carros. Este túnel é grande, mas está preparado para peões. Com passeio levantado e grades a separar as pessoas dos veículos. Há luzes até, mas não há nada que abafe esta loucura em movimento.

Este túnel é só uma passagem e eu sou uma escolha que me trouxe até ele. Este túnel cheira a fumo, a óleo e a gasolina. Cheira a mijo. Tem pessoas, muitas. E tem-me a mim que quis atravessá-lo agora.

Aqui é cidade e a confirmá-lo está o arrumador sujo que no fim da travessia conta as moedas que depois coloca em bolsos rotos.

Cai-me uma gota de água e quase podia apostar que essa gotinha veio de longe e já esteve em túneis com morcegos e linhas de comboio.

2 comentários:

  1. mais um grande e excelente texto... parabens!

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  2. Tive há dias algumas experiências com túneis na Catalunha. Confesso, que o meu terceiro túnel me fez pensar na morte, porque não estava preparado para peões, nem bicicletas... mas fui eu que decidi aí entrar, com a minha miopia não pude antecipar o momento, por isso apenas mergulhei naquele buraco "negro"... sabia que a qualquer modo, qualquer coisa podia acontecer - como me safei? Foquei... foquei a luz pequenina ao fundo... foquei a esperança dos metros percorridos... foquei a vontade de Deus que era a minha para ali estar... foquei e a luz ia ficando um pouco maior até me envolver por completo... não foi desta, continuemos juntos ;)

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