Saímos cedo para um dia de Janeiro muito húmido, com temperaturas a rondar
os 3.º, mas o frio acabou por não ser um problema, pois assim que começámos a
andar aquecemos.
A nossa primeira etapa tinha 26,8 Km e ligava Vila Real a Parada de Aguiar,
no entanto, nós não começámos em Vila Real, mas sim perto de casa dos meus
pais, em Adoufe, por isso devemos ter percorrido cerca de 20 km. Demorámos
precisamente 5h: às 13h já estávamos no destino e ainda conseguimos ter o
habitual almoço de Domingo em família.
Há já algum tempo que queria fazer o Caminho de Santiago, começando em casa
dos meus pais. Uma vez que dali até Santiago são mais de 11 etapas, decidi
fazer aquelas que percorrem o território nacional em dias alternados (sensivelmente
uma vez por mês). As últimas, já em Espanha, quero fazê-las seguidas, durante
uma semana.
Logo depois de termos passado a igreja, que me acolheu religiosamente todos
os domingos durante o tempo em que ali vivi, descemos ao rio. Por incrível que
pareça, foi preciso seguir as setas amarelas do Caminho para atravessar pela
primeira vez uma ponte muito antiga, talvez romana, que atravessa ali o rio e
está tão perto da outra, mais moderna, onde tantas vezes passei. O caminho
subia depois em direção a Coêdo, nós discutíamos a veracidade das comemorações
dos 700 anos da fundação daquela aldeia. No meio da aldeia, ao lado da capela,
um grande toldo tirou-nos as teimas: “800 anos de foral”. Granito e vacas que
passeiam indiferentes a caminheiros ou manhãs de frio testemunham ainda essa
história.
Ainda não tínhamos saído dessa aldeia, quando fomos ultrapassados por um
grande grupo de caminhantes, não iam para Santiago, pois mais à frente viraram
para a estrada nacional, desprezando as indicações das setas amarelas. De
admirar a sua determinação, estar ali, naquela hora, não era para todos.
Nós não éramos todos. Fomos apenas um motivo para o caminho existir. Mesmo
quando ele nos mandava para a berma da estrada nacional, como aconteceu em
Escariz e, mais em cima, entre Benagouro e Vilarinho da Samardã. Entre Escariz
e Benagouro descemos por caminhos muito antigos quase até ao rio e chegámos a
acreditar que seria ali que atravessávamos o Corgo, talvez por uma ponte da
qual não saberíamos dizer a idade. Mas o caminho agora subia. Pior do que a
subida, para quem não levava galochas ou botas impermeáveis, era a água que o
cobria, transformando-o num ribeiro. A saltar de pedra e a enfiar algumas vezes
o pé na lama, o meu pai reclamava. Ele sabia que havia outro caminho melhor e
não percebia porque é que teimávamos em seguir as setas amarelas.
Gostei muito de conhecer Benagouro, outro dos sítios tão perto da minha
aldeia natal onde eu nunca tinha ido. As casas de granito estavam na sua
maioria preservadas e a aldeia dormia em paz, bem lavada.
Também a Vilarinho da Samardã fui pela primeira vez, ali ri-me do eucalipto
centenário plantado pelo Pe. Luís Castelo Branco e visitado pelo então Primeiro-ministro
Aníbal Cavaco Silva, em 1994. Dois rapazes seguiam muito limpos para a missa,
deviam ter uma diferença de 3 ou 4 anos entre eles, mas as suas roupas eram
exatamente iguais até ao mínimo pormenor, como se fossem gémeos. Contornámos a
casa onde viveu Camilo Castelo Branco e onde, segundo a inscrição, passou os
melhores tempos da sua mocidade.
Dois cães, pequenos, mas ameaçadores, vieram até nós e a minha mãe deu-lhes
um pouco de bolo Teixeira que íamos a comer. O caminho depois descia muito, as
fragas que o cobriam estavam tão gastas e tinham tanta água que nós temíamos
escorregar, mas isso não aconteceu. Lá em baixo o rio. A natureza. O poder das
águas. Do outro lado da encosta, a miragem da antiga linha de comboio agora
desativada e transformada em ciclovia. Atravessámos o rio por uma ponte de
cimento muito estreitinha. O Inverno dava-lhe vigor e ele cantava vitorioso,
arrastando consigo troncos de árvores e muita espuma. Cheirava a fresco e a húmus.
Parecia o primeiro dia do universo.
O estradão que subimos depois até à linha era recente. Foi uma das partes
mais difíceis desse dia, mas não custou assim tanto. Quando atingimos a linha
foi um alívio, sabíamos que a partir dali já não subiríamos muito mais.
Os quilómetros seguintes foram por isso bálsamo para os nossos pés e os
nossos sentidos. A estrada de terra batida que cobria a antiga linha acariciava
os pés. A ausência de marcas humanas na paisagem lavava-nos olhos, mais do que
os chuviscos, puxados pelo vento, que caiam de vez em quando.
“Covelo lá em cima” – mostrou-me o pai. Entrámos no concelho de Vila Pouca
de Aguiar e percebemo-lo logo pelo asfalto que cobria agora a linha. Os nosso
pés torceram o nariz.
Ali perto podia haver lobos, mas isso não nos assustava nada porque o
caminho agora era a descer. Ao fundo, o grande vale de Vila Pouca.
À entrada de Tourencinho, cruzámo-nos com ciclistas que faziam o caminho em
sentido contrário. A aldeia inspirava confiança: modernidade e tradição muito
bem alinhadas no Lar de Idosos e Centro Cultural, onde dantes havia uma estação
ou apeadeiro.
Depois, continuando a ser fiéis às setas, saímos da linha e seguimos por
caminhos entre lameiros, perto do rio. O meu pai reclamava e ameaçava voltar
para a linha, mas não o fez e molhou ainda mais os pés, pois aqui a água era
constante.
Passámos por vários rebanhos de ovelhas e cabras. Vimos muitas vacas, burros
e cães. Fomos saudados por “olá” estranho que vinha de um corvo, exibido no
quintal de uma casa, dentro de uma grande gaiola.
Depois passámos por Zimão e mais 2 ou 3 aldeias, até chegarmos a Parada de
Aguiar, onde nos esperavam para voltarmos a casa e nos aquecermos com uma
feijoada à transmontana. Mas a verdade é que não tivemos frio.
Boa caminhada! Bom caminho! Fiz o percurso seguido de Valença a Santiago em Abril de 2011. Maravilhoso! "Se alguém de obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas" Mateus 5:41
ResponderEliminarObrigada, querida Catarina! Eu também já percorri esse caminho, comecei em Barcelos e terminei em Santiago, em 2001 (há quanto tempo!). Daí, querer conhecer agora este caminho. Além da ligação afetiva por passar na minha terra natal...
ResponderEliminarUm abraço forte!