Vestimo-nos e comemos e só depois fomos à casa de banho, já que os sanitários do parque de campismo ficavam afastados do bungalow.
Cerca de meia hora depois de termos começado a caminhar, entrámos em Bandeira e apanhámos o caminho. Neste último dia de peregrinação, seguimos sempre pelo caminho original, sempre fieis às setas amarelas. Uns kms mais à frente, encontrámos as duas espanholas amigas da Irene (sentimos falta do despertador dela nesta alvorada), tinham pernoitado em Bandeira numa acomodação privada arranjada quando chegaram.
A lama, a chuva e a maravilha dos campos verdejantes já nos acompanhavam há tantos dias, mas não deixavam de nos trazer o gosto fresco da novidade. Apesar do peso do caminho, ainda conseguíamos admirar a beleza de uma igreja e inquietarmo-nos com um charco de lama. sentimo-nos vivos por termos esta capacidade de alimentar a nossa criança interior!
E nós também nos fomos alimentando com o lanche que levávamos pois ao fim de umas horas de caminho a fome já dava sinais. As companheiras espanholas aproveitaram uma aberta e pararam para descansar e comer, nós fomos sempre seguindo, fazendo um esforço para manter o grupo unido. Éramos só seis nessa altura.
Em Ponte Ulla, descemos abruptamente e os nossos joelhos e pernas queixaram-se muito. Mais à frente reencontrámos os nossos companheiros, avistando o carro estacionado na ponte. Fizemos a primeira paragem do dia para tomar algo quente e descansar um pouco. Já caminhávamos há 3h e ainda não tínhamos chegado ao Outeiro.
A partir daqui, a Xana e a Andreia T. voltaram a integrar o grupo de caminhantes. O grupo ia animado, a subir pela berma duma estrada, quando se ouviu uma criança a chorar desesperadamente. Parámos para nos certificar que não era um cão, mas era mesmo uma criança e o som vinha do meio do silvado ali ao lado. Lancámo-nos pelos arbustos e descobrimos um menino com cerca de 2 anos caído de uma bicicleta. espantado por nos ver calou-se e algum tempo depois apareceu a mãe. Estava furiosa e garantiu-nos que tudo não passou de uma birra do menino que não queria seguir e ela para o ameaçar continuou a andar sem ele. Ainda bem que tudo não passou de um susto. Não admira que as conversas seguintes tivessem girado à voltas das sensíveis questões da educação.
Sempre a subir, chegámos finalmente ao Outeiro e ali os nossos expeditos companheiros esperavam-nos com comida para o almoço, além do habitual rodízio de tortilhas, pão e frutas, tínhamos ainda frango e empadas que sobraram da noite anterior!
Passámos o albergue de Outeiro e embrenhámo-nos em mais um bosque. Tínhamos ainda 18km pela frente. 18 sofridos kms... Nesta fase já nos era mais fácil uma subida do que uma descida. O que valia era a alegria e a boa disposição que nos iam distraindo das dores. Por esta altura, contavam-se anedotas! O problema é que o riso me lembrava da vontade de fazer xixi e não tive outro remédio se não improvisar uma casa de banho atrás dos arbustos.
Num cruzamento, encontrámos uma cadeira muito alta, impossível de dar descanso. Era um monumento aos peregrinos que tinham tantas oportunidades de descansar pelo caminho e mesmo assim teimavam em caminhar!
Em Susana, o grupo aprimorou-se com a presença do Jorge que quis fazer os últimos kms a pé connosco. Subidas e descidas. Risos e queixas. Camélias e chuva. Perguntávamos a cada transeunte quantos kms faltavam e espreitavámos do alto de cada subida na esperança de ver ao fundo os "pináculos retumbantes" da catedral, mas nada... o desespero surgiu quando pensávamos que estávamos a menos de 2 km do nosso destino e encontrámos uma indicação que nos garantia que tínhamos quase 6 km pela frente até ao nosso destino.
Eu e a Andreia esmorecemos e começámos a sentir com muita força cada uma das dores que nos assolavam: pés, joelhos e pernas latejavam em sofrimento. Decidimos parar a descansar num coreto, estendemos as pernas e comemos alguma coisa. Quando recomeçámos, já nos sentíamos melhor. e ficámos ainda mais animadas quando o Jorge se disponibilizou para nos levar de carro a Allariz, onde tínhamos deixado o nosso carro.
Quando finalmente avistámos a catedral, enchemo-nos de alegria. Tantas lutas, tanta descoberta, tanta profundidade, tudo o que cabia dentro daqueles 5 dias valera tanto a pena!
Descemos a coxear, mas esquecidos dos sofrimentos e dirigimo-nos para o seminário menor de Santiago que servia de albergue de peregrinos. Eu, o Vitor e a Andreia não fizemos o check-in pois ainda iríamos voltar nessa noite. Esperámos pelo grupo que se atrasara, mas viemos a saber que já estavam à nossa espera na catedral. A entrada foi emotiva e a missa foi muito sentida: a celebração da vida! No fim, assistimos a uma procissão de Via Crucis e tentámos abraçar o Santo, mas sem sucesso.
Já cá fora, do Largo do Obradoiro, todos reunidos, tirámos a tradicional foto de grupo!
Depois fomos jantar num restaurante, a comida não nos convenceu, mas a amizade prevaleceu.
A cada uma das pessoas que fizeram este caminho comigo, o meu profundo agradecimento!
A todos os outros, encontramo-nos por aí pois, para quem vive em peregrinação, esta foi só mais uma etapa de um longo caminho!
Que sejamos felizes!
Nota: Fotos de Pedro Costa