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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
Arrepio
A Tatyana não só não tinha ainda vindo a este mundo, como ainda por cima é de bem longe, mas tem os olhos embaciados de espanto e a pele inquieta de tremor.
Descobriu que a barraca que ela e a família reconstruíram debaxo da linha do comboio e que tinha sido em tempos -já depois de ter abrigado o assassinato- destruída por máquinas retroescavadoras foi palco de um episódio atroz.
E soube disso pela televisão, mas aquele odor a sangue agora persegue-a e dá-lhe náuseas. Ela sabe que o mal existe e é concreto, tão real como o barulho do comboio que passa de 5 em 5 minutos e abafa os gritos que aquela mulher estrangulada deve ter vomitado.
domingo, 13 de novembro de 2011
Os olhos da Tatyana
terça-feira, 8 de novembro de 2011
Ternura II
Sento-me à sua frente no metro e não fico indiferente ao ramosque leva na mão com a mesma naturalidade com que seguraria uma bengala ou um guarda-chuva.
São duas orquídeas em tons neutros, atadas uma à outra por uma linha branca de costura.
terça-feira, 25 de outubro de 2011
Ternura
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Pureza
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Maternidade
Tão improvável como ter nascido neste sítio foi ter chegadocá agora mais de 30 anos depois. A caminhar ao acaso pela cidade: avirar à direita ou à esquerda ao calhas conforme o lado da rua onde bate o sol,arrepiozinho de prazer; a parar para ver um pormenor da rua que fotografo: aolado da tabuleta oficial “Rua da Torrinha”, outra indicação pintada na paredeelucida “Rua Júlia Nogueira, ínsígne mestre das sirigaitas”; a desviar-me de umabelhão que plana à altura do meu nariz; mais à frente vejo do lado direito darua um palácio imponente que parece ter sido transformado numa discoteca eimpressiono-me com o facto de os vidros frágeis e velhos estarem todosintactos… e depois “Maternidade Júlio Dinis”. Mas foi aqui que eu nasci!! E averdade é que nunca mais cá tinha voltado. Quis entrar, o sítio onde nascemosafinal será sempre a nossa casa.
quinta-feira, 23 de junho de 2011
Movimento
Cheguei à porta da Loja do Cidadão cedo demais, já não valia a pena ir para a fila que dava a volta ao quarteirão, mas também não podia entrar sem deixar escoar, gota a gota, aquela gente toda lá para dentro. Fiquei por isso parada no meio da rua, sentindo a pulsão da multidão a girar à minha volta, organizadamente. Eu, de auscultadores nos ouvidos, abstraída, serena, em paz, a rezar, a ser o centro do mundo. À minha volta, pessoas, pessoas, a serem cenário, enquadramento, a darem movimento àquele momento, a não serem pessoas porque nem as conheço, nem as ouço, nem as vejo.
Eu e o meu egoísmo, mas a paz daquela música, daquela abstracção, a chamar-me a dar rostos às pessoas. São só estranhos, nunca poderei contar as suas histórias, mas fizeram parte da minha história e essa se quisesse podia contar.
Fico assim mais uns minutos e daqui a nada na minha cabeça muitas coisas darão forma aos meus pensamentos: fazer isto, falar daquilo, não me esquecer de, despachar-me. E mais logo comprar, arrumar, avisar, telefonar.
Mas naquele momento era eu, ali, sem pensar.
E vieram outros dias: tempestades interiores, dúvidas, medo e paixão. Vieram outros momentos de auscultadores nos ouvidos, a mesma música até. E aquilo que eu sou a espreitar aqui e ali. Eu a escrever-me sem saber a minha história. Mas ficará aquele momento, aquela frase minha, até a esquecer ou a riscar.
sábado, 26 de fevereiro de 2011
Estórias
Encontro-a por acaso na rua depois de algum tempo sem a ver no salão. A Marlene está gira como sempre: usa roupa curta e apertada dos últimos saldos das lojas de roupa para massas do shopping e está maquilhada demais para o meu gosto. Mas muito ela, toda equilibrada em cima dos seus 21 anos, amparada ainda assim no braço do namorado, não vá um salto deixá-la mal.
Sorri quando me vê e pára para cumprimentar. Não posso deixar de reparar que tem a blusa molhada, uma gotinha no peito. Comento isso.
- Ah!! Que chatice! Estes coisos não prestam, tanto faz pô-los como não. Mas prontos. Olhe, doutora, temos de ir, estamos com pressa.
Percebi depois quando fui arranjar o cabelo.
A rapariga era o tema de conversa preferido e o principal alvo da pena e espanto do mulherio. Ia visitar os dois gémeos que tinha tido há 15 dias atrás e estavam numa incubadora por terem nascido antes do tempo.
Lembrei-me das conversas dela acerca dos reality shows e telenovelas na tv, das saídas à noite e dos mexericos do cabeleireiro e pensei: “será que nas revistas que ela lia aprendeu alguma coisa sobre bebés?” Mas ela só lia os títulos e algum parágrafo mais gordo, de resto o que a seduzia mesmo eram as imagens, as roupas, os penteados e a elegância ou falta dela...
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
Água
Estás grávida, perdes uma manhã para mostrar uns papeis a uma médica, para ela em menos de 5 minutos te despachar com palavras à deriva que te perturbam. Isto não sem antes teres pedido especial favor para seres atendida depois de teres guardado a sua porta horas a fio em pé com o barrigão e ainda teres ouvido umas bocas de uns velhotes por estares a passar à sua frente.
Sais para ir à tua vida com os olhos húmidos e um qualquer combate de kickboxing ali para os lados do peito entre o arrogante alívio por teres saído dali e o sempre vencedor medo do desconhecido.
Ainda não tínhamos dito que chove e que vais em passo rápido, queres te afastar dali, apanhar o metro, esquecer. E é então que passa um carro e com toda a perícia esvazia uma poça de água da estrada completamente para cima de ti. Choras.