domingo, 13 de novembro de 2011

Os olhos da Tatyana


Neste país as pessoas parecem mais altas do que na Roménia, mas é por as ver de baixo para cima que acho isso. Sento-me no passeio, encostada a um parquímetro, em cima de um cartão que não evita que sinta o frio e a humidade do chão. Seguro uma garrafa de plástico cortada com 2 moedas dentro que vou abanando para lembrar quem passa de me dar uma esmola, como quem agita uma roca para atrair a atenção de um bebé. Hoje não trouxe o meu rico menino, está muito constipado, ficou com a minha prima. De vez em quando dou uma espreitadela para os lados da barraca, embora não a veja daqui, mas se não vem lá ninguém a descer a encosta é porque deve estar tudo bem.

Se estivesse a chover ia ali para debaixo da linha do comboio, saem de lá magotes de gente que passam por mim e não me vêem, ou se vêem não ouvem porque levam coisas a tapar os ouvidos. No entanto, não precisam de ouvir o que digo ou ler a mensagem escrita num papelão, percebem perfeitamente o que estou a fazer e passam ao lado. De vez em quando alguém se aproxima e deixa uma moeda, mas nem olha para mim. Não me importo. Às vezes penso como seria se também eu apanhasse o comboio e andasse na rua distraída sem ter de me preocupar com o que comer. Nesse dia daria esmola a todos os pedintes que encontrasse e talvez também um sorriso, depende da confiança que me inspirassem, mas se fossem mães com crianças ia querer brincar um bocadinho com o menino ou pelo menos saber o nome e a idade da criança e iria reparar que estava constipada. Mas não sei andar de pé, não sei fazer nada, não posso deixar os meninos, nem sei que caminhos escolheria e que comboio apanharia.

Se estiver bom tempo, prefiro ficar na rua, não há seguranças a chatear-me e há mais distracções, além de não ficar tão escondida pelas multidões. Aqui há muitos prédios, alguns bem impressionantes, por mais que tente puxar pela cabeça não consigo ter ideia do que toda esta gente faz lá dentro. Sei que vão sempre com muita pressa e que é com o que ganham lá que se vestem bem e comem tudo o que querem, mas o que fazem não faço ideia. Compreendo o trabalho do restaurante e das cafetarias aqui da rua e também sei o que tem de fazer o chinês da loja de roupa, mas nos andares superiores não consigo imaginar. Habituei-me a ver estas pessoas e estas ruas e estas lojas como paisagem, fazem parte de outra realidade à qual eu não pertenço e por isso acabo por não as ver, nem aos seus carros, nem aos sacos e bolsas que carregam. Vejo, isso sim, os polícias, os varredores de rua, os carteiros e os taxistas, que me insultam, desprezam e expulsam da rua.

Ganhei 5,15€ hoje, vou à loja do chinês comprar massa para o jantar, passo no supermercado e compro vinho para o marido e com o que me restar hei-de ir à farmácia comprar alguma coisa para a tosse do menino. Depois atravesso a linha, subo a encosta da estrada, contorno a “horta” do Ti Manel a quem comprarei cenouras e chegarei à nossa barraca. Espero que o Ronan esteja melhor. Hei-me abraçá-lo e dar-lhe mama.

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